domingo, 27 de dezembro de 2015

Brasil de filhos bravos*


Fui criança da década de 70 até o comecinho dos anos 80. Costumo dizer que sou filha de uma liberdade sentimental e sexual que, contraditoriamente, conviveu ali, muito próximo do Regime Militar, tempos de rigidez, quando se tentou enquadrar o brasileiro em discursos, hábitos e costumes, por mais de 20 anos.
Sim, de tão bem resolvida que eu penso ser, uma hora dessas, quem sabe, escreverei sobre a essência da liberdade que me fez existir e o construto social que, consequentemente, se fez/faz presente na menina, na adolescente e na mulher. Devo dizer que, me submeter a mais uma sessão de limpeza e purificação pessoal, desta feita, por meio da escrita, não vai me custar o que não sou capaz de suportar.

Hoje evoco o conceito de liberdade a partir daquele que aprendi nos tempos da escola fundamental. Cresci ouvindo a professora dizer que a independência representou a liberdade do Brasil frente à dominação de Portugal e por isso mesmo o dia 7 de setembro é feriado, ocasião para lembrar e rememorar com desfiles cívicos.
Ora, como esquecer aqueles preparativos da Semana da Pátria? Mais alta do que todas as demais da minha idade, lá estava eu, nos desfiles da escola, quase sempre à frente, vestindo figurinos especiais e apresentando coreografias bem ensaiadas. Por vários anos conduzi uma das bandeiras ou “puxei” um determinado pelotão. Era a festa da liberdade – ainda que fosse aquela do passado que nos remete ao ano de 1822 e ao Primeiro Império – que somente a maturidade intelectual me fez assim enxergar.
Porém, malgrado à sua importância histórica, o Hino da Independência, composto pelo poema de Evaristo da Veiga, musicado por D. Pedro I, sempre foi abafado pelo Hino Nacional, que, nas escolas, oficialmente, tinha hora semanal para ser entoado, diante da bandeira.
Foi no meu tempo de escola que, anualmente, pelo menos entre os meses de agosto e setembro, vi ações voltadas para lembrar e aprender a composição-símbolo da ruptura entre Brasil e Portugal. Eu cantava aquele hino – com palavras e notas musicais fortes – sem compreender muito bem o que dizia, posto que, conforme a pedagogia adotada, não havia objetivo de interpretar o conteúdo. Mais tarde, quase todas as referências nacionais caíram em desuso, deixei de cantá-lo, mas passei a refletir sobre o seu texto complexo, que deu conta, tão somente, de um momento pontual da nossa história. Não esqueço, pois, da parte que diz
“Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil.”
Eis aqui, o chamamento para um Brasil de filhos bravos que agora podem se conduzir, uma Pátria mãe gentil, livre da servidão.
“Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil.”
O combate, a luta pela liberdade, a transformar peitos e braços em “muralhas do Brasil”, tudo em nome da ruptura com Portugal, ainda que formasse uma tropa, maciçamente armada, com a “Brava gente brasileira”.
“Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil.”
Para um brasileiro combatente, o destaque: forte, elegante, corajoso, digno de parabéns por resplandecer tal “garbo varonil”.
Do Hino da Independência salta e explica a histórica militarização da Semana da Pátria. Num passado recente já ficou por conta de algumas escolas o desfile de temas atuais que urgem por mudanças de atitudes.
No presente, movimentos da sociedade, de norte a sul do país, protestam contra o governo, clamam pelo fim das práticas de corrupção – denunciadas e comprovadas – que afetam a gestão pública, impondo incalculáveis prejuízos à coletividade e vergonha de ser brasileiro.
Finalmente, já raiou a liberdade?
*Artigo publicado na última Semana da Pátria com o título “Já raiou a liberdade”? e, excepcionalmente, republicado hoje.
**Professora, especialista em Psicopedagogia, Mestre e Doutora em Educação. Diretora Executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE) e Coordenadora do “Esquina do Conhecimento, projeto pedagógico da Escola Estadual Manoel Dantas. É articulista de temas relativos à Educação e no ano de 2014 passou a publicar, também, minicontos de amor, crônicas e poemas que são tentativas de incursão pelo universo do texto literário. (educadora@claudiasantarosa.com)

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