segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Dieta do café conquista fãs que vão de Gwyneth Paltrow aos lutadores de MMA

Quando o apresentador de TV Jimmy Fallon ofereceu uma caneca de café misturado com manteiga para a atriz Shailene Woodley em seu programa, o “The Tonight Show”, ela não recusou. Na verdade, Shailene falou à plateia com entusiasmo sobre a xícara de gordura saturada:

— Ela vai mudar as suas vidas — disse a atriz.
— É a coisa mais deliciosa de todos os tempos — emendou Fallon. — É realmente bom para vocês. É bom para o seu cérebro — afirmou.
Parece que, atualmente, todos são devotos do café. Mas talvez não haja proselitismo mais fervoroso do que aquele dos seguidores do Bulletproof coffee, uma bebida criada pelo biohacker e empreendedor da tecnologia Dave Asprey.
A receita — inspirada no chá de manteiga de iaque que Asprey conheceu durante uma viagem ao Tibete — pede grãos de café sem microtoxinas (um composto químico produzido por fungos que costuma atacar os grãos); pelo menos duas colheres de manteiga sem sal (de vacas alimentadas com grama, que é rica em ômega 3 e vitaminas); e de 1 a 2 colheres de triglicerídeos de cadeia média, como o óleo de coco, um tipo de gordura de fácil digestão. Asprey diz que uma xícara com 450 calorias da bebida acaba com a fome, promove perda de peso e clareza mental.
Opção saudável ou produto de marketing?
O Bulletproof coffee criado por David Asprey parece ter potencial viciante. Considere a força do apego neste exemplo: em uma conferência de três dias sobre o Bulletproof, na Califórnia, em setembro passado, cerca de 90 quilos de manteiga Kerrygold não foram suficientes para 500 pessoas. O resultado? Houve uma corrida por manteiga sem sal na filial do supermercado Whole Foods próxima ao evento.
Joan Salge Blake, professor associado de Nutrição na Universidade de Boston, é cético em relação aos efeitos da bebida. Segundo ele, são os carboidratos, ausentes no Bulletproof, que servem de comida para o cérebro. O que ele acha de quem substitui a primeira refeição do dia pelo Bulletproof?
— Não é um café da manhã para campeões — ensina.
Blake coloca a bebida no panteão de triunfos do marketing, comparando-a à dieta do grapefruit, que não derretia quilos com facilidade, mas aumentou o consumo da fruta.
— O sabor é o que orienta as escolhas alimentares dos indivíduos — afirma. — Se as pessoas continuarem a gostar do sabor do café preparado dessa maneira, elas continuarão a consumi-lo. O impacto que a bebida tem na manutenção do peso é algo que só conheceremos com o tempo.
Asprey postou a receita do Bulletproof Coffee em seu site, em 2009 (o nome “Bulletproof”, ele explica, foi dado pela pessoa que estava sentada ao seu lado em um voo entre Londres e São Francisco), logo comercializando ingredientes como o que ele chama de “café com upgrade”. Para o empresário, as toxinas do café comum são “sabotadoras de
performance”, além de tornarem a bebida mais amarga.
Do vale do silício aos times de basquete
Recentemente, David Asprey acrescentou ao seu cardápio o “Unfair Advantage”, que ele afirma ser um dos pouco suplementos capazes de ajudar na criação de mitocôndrias. Suplementos não precisam de autorização do FDA, a agência reguladora de alimentos e remédios nos Estados Unidos, e o site de Asprey contém a advertência usual de que os produtos não foram avaliados pela instituição.
A empresa de David Asprey, chamada Bulletproof Executive, tem uma equipe de 20 pessoas. O que não é nada comparado com os cerca de 7 milhões que já fizeram o download do podcast de Asprey. Ele deve ainda abrir uma loja e um café em Los Angeles no início do ano que vem. E David não ficará por aí: o livro “The Bulletproof Diet: Lose up to a
Pound a Day, Reclaim Energy and Focus, Upgrade Your Life” será publicado nos EUA na semana que vem. É um regime alimentar parecido com a dieta do paleolítico, que esteve na moda no início do ano, promovendo uma cardápio quase sem grãos e derivados do leite. Mas o livro de Asprey sugere ainda mais gordura.
De acordo com a empresa, o Bulletproof é popular em São Francisco, Nova York, Seattle e Milwaukee. Neste último, segundo Asprey, a popularidade do café se deve aos lutadores de MMA. Para eles, qualquer melhora na performance já é lucro. Também ajuda o fato da bebida ter fãs em Hollywood, no Vale do Silício e nos esportes (incluindo o time de basquete Los Angeles Lakers).
O produtor musical Rick Rubin apresentou a bebida ao cantor inglês Ed Sheeran, que mostrou seu entusiasmo pelo Bulletproof no tapete vermelho do Grammy.
Se eu quiser comer manteiga, coloco em cima de uma batata assada
Os fãs insistem que o Bulletproof coffee tem o mesmo gosto de um latte cremosíssimo. O músico Rick Rubin é mais empolgado: “ele se parece com pão de centeio tostado com muita manteiga misturada e café quente”, escreveu o inglês em um e-mail.
Para melhores resultados, o chef Seamus Mullen, outro entusiasta, aconselha a mexer a bebida com uma colher ou um mixer manual, nunca com o elétrico. A lâmina do mixer elétrico, segundo ele, aqueceria o óleo, mudando o sabor do café. Mullen também recomenda que, de início, se use uma pequena quantidade do óleo de coco. O chef lembra que óleos com triglicerídeos de cadeia média costumavam ser usados pelos hospitais em pacientes com falta de enzimas digestivas de gordura.
— Pode destruir o seu trato digestivo — explica Mullen.
Tomar o Bulletproof significa ter que viajar com bagagem pesada. Depois de uma trabalhosa tentativa de fazer café no quarto de um hotel em Chicago, o ator Brandon Routh, que interpreta o superheroi Atom na série “Arrow”, agora leva consigo grãos de café, potes com a manteiga clarificada, uma garrafa de silicone com óleo de coco, colheres e um filtro. Muito esforço? Ele parece não se importar.
— Os meus níveis de energia estão no pico se comparados com o que costumavam ser — conta Routh, que descobriu a bebida em uma festa de despedida de solteiro. O ator também acredita que a bebida tem impacto em seu trabalho na TV. As minhas falas na série simplesmente saem.
O doutor Frank Lipman recomenda o Bulletproof coffee aos seus clientes (incluindo a atriz Gwyneth Paltrow) para “clareza da mente e um pouco de animação”. Mas o médico alerta que a bebida não é nutritiva. Segundo ela, o café criado por David Asprey não tem muita proteína nem uma variedade de vitaminas e minerais.
Mas, mesmo com tantos adeptos, o Bulletproof não conquistou a equipe do programa de TV “Good Morning America”, em que foi apresentado há alguns meses.
“Eu quero experimentar, mas não consigo,” disse, na época, o jornalista e apresentador George Stephanopoulos.
Já a garota do tempo Ginger Zee afirmou que a bebida se parecia mais com sopa de macarrão instantâneo e frango.
Em uma entrevista, David Asprey culpou o catering das empresas, o uso da manteiga e do óleo errado. Para o Bulletproof ser gostoso, ele explica, a manteiga tem que ser clarificada e o óleo tem que ser um triglicerídeo de cadeia média.
— Eu imagino o coitado do produtor colocando uma porção de manteiga comum em uma xícara de café e misturando tudo. Ele basicamente bebeu manteiga ruim com café ruim. Claro que não gostou.
Não foi o que achou Lara Spender, produtora do “Good Morning America”.
— Se eu quiser comer manteiga, coloco em cima de uma batata assada. (O Globo)

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